terça-feira, 31 de janeiro de 2012

EUCLIDES DA CUNHA EM QUEIMADAS, 1897.

                              Foto: Igreja de Santo Antônio das Queimadas, aspecto original.


CONTATO DE EUCLIDES DA CUNHA COM QUEIMADAS- BAHIA (1897)

Ao se deparar com Queimadas, Euclides da Cunha traçou-lhe um perfil. Fez-lhe um retrato sem retoques, tal como o reproduzimos:

" Encontramos esta localidade sem agitação dos últimos meses. Voltou a primitiva quietude com a partida dos últimos batalhões, ontem realizada.
É pequeno e atrasado, vivendo em função da estrada-de-ferro, este arraial obscuro - último elo que nos liga, hoje, às terras civilizadas.
A casaria pobre, desajeitada e velha, agrupa-se em torno da única praça, grande mas irregular, transitorialmente animada agora pela passagem dos contingentes que trouxemos.
Em torno, amplíssimas, desdobram-se as caatingas. E não há a mais ligeira variante , a mais breve colina onde o olhar repouse exausto a dilatar-se pelos horizontes longínquos, cansado da monotonia acabrunhadora de extensos tabuleiros cobertos de arbustos requeimados.
Observar a povoação é mais monótono ainda. Não há um edifício regular, sofrível sequer.
O quartel-general está numa casinha baixa, de comprimentos minúsculos: a repartição telegráfica, numa melhor mas com a mesma feição deprimida.
Mal aparecem os habitantes. De sorte que a praça, rodeada de edifícios pequenos e imprestáveis, transitada apenas pelos soldados, é como o pátio de um quartel antigo e arruinado. Entretanto, quanta recordação, em torno.
Alí, em continuação à praça, acampam sucessivamente todas as forças que aqui têm chegado e seguido para o sertão; um acervo informe de farrapos, trapos multicores de fardamento, botinas velhas, cantis arrebentados, bonés inutilizados, esparsos, disseminados numa área extensa, indica a estadia das tropas que desde a segunda expedição ali têm acampado. Naquele solo comprimido confundiram-se, multiplicando-se em passadas inúmeras, os rastros de quinze mil homens.
Impressiona a passagem pelo lugar onde se agitaram tantas paixões e se acalentaram tantas esperanças malogradas. Mais adiante, quem sobe pequena ondulação do terreno, divisa, retilínio , prolongando-se numa extensão de dois quilômetros, um sulco largo de roçada, na caatinga: a linha de tiro em que se exercitou a divisão do general Arthur Oscar. A um lado erige-se uma igreja (foto) humilde com aspecto acaçapado de barracão de feira; - nas paredes brancas , sobre a brancura de cal, traços de carvão, numa caligrafia hieroglífica, ostenta-se a verve áspera e característica dos soldados: todos os batalhões colaboram na mesma página. Uma página demoníaca: períodos curtos, incisivos, assombrosos, arrepiadores, espetados em pontos de admiração maiores do que lanças...

Fonte: (Nonato Marques. Santo Antônio das Queimadas. pag. 110/111)




    EUCLIDES DA CUNHA EM QUEIMADAS (1897)

No dia 1º de setembro de 1897, Euclides da Cunha (foto) chega em Queimadas como membro da comitiva do Ministro da Guerra , Marechal Carlos Machado Bittencourt, na qualidade de enviado especial dee " O Estado de São Paulo".
A Guerra de Canudos se tornara um acontecimento de grande interesse jornalístico. Os princiapais jornais do País enviaram correspondentes para a área de operações militares , a fim de bem informarem aos seus leitores , ávidos de notícias da campanha que se desenrolava no interir da Bahia. Muitos jornais credenciavam participantes para a remessa de notícias. As reportagens de Euclides da Cunha - publicadas coma natural demora ou atraso ao correio daquele tempo - foram o germe da obra monumental que escreveria depois.
Queimadas era o limiar dos sertões que Euclides iria conhecer e descrever. Ali começaria a entrar em contato com um mundo áspero. hostil e, ao mesmo tempo, fascinante, para ele , até então desconhecido. Ali começaria a ver - como ele próprio constatou - um mundo afastado 300 anos do litoral.
Chegara com uma idéia distorcida do que realmente se passava nos sertões conturbados. É que a imprensa, mal informada, apresentava Canudos como um foco revolucionário monarquista, quando na verdade, como Euclides pessoalmente verificou, os pobres jagunços nada mais eram do que broncos fanáticos religiosos que não entendiam nada de política , que nada sabiam de reis e imperadores, que mal conheciam a existência de Pedro II. Ouviam sim, o Conselheiro falar em prédicas inflamadas, do rei D. Sebastião que viria em socorro deles contra Satanás que trouxera a República. Depois dele o bom Jesus para separar o joio do trigo, as cabras das ovelhas.
A partir de Queimadas, Euclides faria uma revisão completa das idéias e conceitos anteriormente formulados, passando a desmentir nos seus escritos e no seu famoso livro " Os Sertões" a propalada conspiração monarquista de Canudos. O que realmente ele vira, o que de fato encontrara, fora o extremado fanatismo religioso, o atraso total, a ignorância absoluta a tal ponto alarmante que, mais tarde, ele faria esta dolorosa porém exata interrogação: " porque não mandaram mestres-escolas para Canudos no lugar de fuzis?".
Em Queimadasm Euclides encontraria os primeiros sinais da luta fraticida. Ali se aquartelaram e dali partiram milhares de soldados para as caatingas traiçoeiras de onde muitos voltaram derrotados, feridos, ensaguentados ou mutilados. Ali, também, disfarçados, os jagunços espionavam os movimentos dos batalhões. Dali o telégrafo enviava para o País inteiro notícias sobre os lances dramáticos da luta.

Fonte: (Nonato Marques. Santo Antônio das Queimadas. pag. 109/110)

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