Foto: Igreja de Santo Antônio das Queimadas, aspecto original.
CONTATO DE EUCLIDES DA CUNHA COM QUEIMADAS- BAHIA (1897)
Ao se deparar com Queimadas, Euclides da Cunha traçou-lhe um perfil. Fez-lhe um retrato sem retoques, tal como o reproduzimos:
" Encontramos esta localidade sem agitação dos últimos meses. Voltou a
primitiva quietude com a partida dos últimos batalhões, ontem realizada.
É pequeno e atrasado, vivendo em função da estrada-de-ferro, este
arraial obscuro - último elo que nos liga, hoje, às terras civilizadas.
A casaria pobre, desajeitada e velha, agrupa-se em torno da única
praça, grande mas irregular, transitorialmente animada agora pela
passagem dos contingentes que trouxemos.
Em torno, amplíssimas,
desdobram-se as caatingas. E não há a mais ligeira variante , a mais
breve colina onde o olhar repouse exausto a dilatar-se pelos horizontes
longínquos, cansado da monotonia acabrunhadora de extensos tabuleiros
cobertos de arbustos requeimados.
Observar a povoação é mais monótono ainda. Não há um edifício regular, sofrível sequer.
O quartel-general está numa casinha baixa, de comprimentos minúsculos: a
repartição telegráfica, numa melhor mas com a mesma feição deprimida.
Mal aparecem os habitantes. De sorte que a praça, rodeada de edifícios
pequenos e imprestáveis, transitada apenas pelos soldados, é como o
pátio de um quartel antigo e arruinado. Entretanto, quanta recordação,
em torno.
Alí, em continuação à praça, acampam sucessivamente todas
as forças que aqui têm chegado e seguido para o sertão; um acervo
informe de farrapos, trapos multicores de fardamento, botinas velhas,
cantis arrebentados, bonés inutilizados, esparsos, disseminados numa
área extensa, indica a estadia das tropas que desde a segunda expedição
ali têm acampado. Naquele solo comprimido confundiram-se,
multiplicando-se em passadas inúmeras, os rastros de quinze mil homens.
Impressiona a passagem pelo lugar onde se agitaram tantas paixões e se
acalentaram tantas esperanças malogradas. Mais adiante, quem sobe
pequena ondulação do terreno, divisa, retilínio , prolongando-se numa
extensão de dois quilômetros, um sulco largo de roçada, na caatinga: a
linha de tiro em que se exercitou a divisão do general Arthur Oscar. A
um lado erige-se uma igreja (foto) humilde com aspecto acaçapado de
barracão de feira; - nas paredes brancas , sobre a brancura de cal,
traços de carvão, numa caligrafia hieroglífica, ostenta-se a verve
áspera e característica dos soldados: todos os batalhões colaboram na
mesma página. Uma página demoníaca: períodos curtos, incisivos,
assombrosos, arrepiadores, espetados em pontos de admiração maiores do
que lanças...
Fonte: (Nonato Marques. Santo Antônio das Queimadas. pag. 110/111)
EUCLIDES DA CUNHA EM QUEIMADAS (1897)
No dia 1º de setembro de 1897, Euclides da Cunha (foto) chega em
Queimadas como membro da comitiva do Ministro da Guerra , Marechal
Carlos Machado Bittencourt, na qualidade de enviado especial dee " O
Estado de São Paulo".
A Guerra de Canudos se tornara um
acontecimento de grande interesse jornalístico. Os princiapais jornais
do País enviaram correspondentes para a área de operações militares , a
fim de bem informarem aos seus leitores , ávidos de notícias da campanha
que se desenrolava no interir da Bahia. Muitos jornais credenciavam
participantes para a remessa de notícias. As reportagens de Euclides da
Cunha - publicadas coma natural demora ou atraso ao correio daquele
tempo - foram o germe da obra monumental que escreveria depois.
Queimadas era o limiar dos sertões que Euclides iria conhecer e
descrever. Ali começaria a entrar em contato com um mundo áspero. hostil
e, ao mesmo tempo, fascinante, para ele , até então desconhecido. Ali
começaria a ver - como ele próprio constatou - um mundo afastado 300
anos do litoral.
Chegara com uma idéia distorcida do que realmente
se passava nos sertões conturbados. É que a imprensa, mal informada,
apresentava Canudos como um foco revolucionário monarquista, quando na
verdade, como Euclides pessoalmente verificou, os pobres jagunços nada
mais eram do que broncos fanáticos religiosos que não entendiam nada de
política , que nada sabiam de reis e imperadores, que mal conheciam a
existência de Pedro II. Ouviam sim, o Conselheiro falar em prédicas
inflamadas, do rei D. Sebastião que viria em socorro deles contra
Satanás que trouxera a República. Depois dele o bom Jesus para separar o
joio do trigo, as cabras das ovelhas.
A partir de Queimadas,
Euclides faria uma revisão completa das idéias e conceitos anteriormente
formulados, passando a desmentir nos seus escritos e no seu famoso
livro " Os Sertões" a propalada conspiração monarquista de Canudos. O
que realmente ele vira, o que de fato encontrara, fora o extremado
fanatismo religioso, o atraso total, a ignorância absoluta a tal ponto
alarmante que, mais tarde, ele faria esta dolorosa porém exata
interrogação: " porque não mandaram mestres-escolas para Canudos no
lugar de fuzis?".
Em Queimadasm Euclides encontraria os primeiros
sinais da luta fraticida. Ali se aquartelaram e dali partiram milhares
de soldados para as caatingas traiçoeiras de onde muitos voltaram
derrotados, feridos, ensaguentados ou mutilados. Ali, também,
disfarçados, os jagunços espionavam os movimentos dos batalhões. Dali o
telégrafo enviava para o País inteiro notícias sobre os lances
dramáticos da luta.
Fonte: (Nonato Marques. Santo Antônio das Queimadas. pag. 109/110)
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