Foto: Igreja de Santo Antônio início da década de 70.
Santo Antônio no Banco dos Réus
Sobre o assunto, o escritor Lellis Piedade escreveu a crônica que a seguir reproduziremos:
" Nas charnecas do antigo sertão dos Tocós, parte integrante que foi do
imensurável feudo do mestre de campo Antônio Guedes de Brito, o
Conquistador do S. Francisco, nome famoso nos anaes da Bahia
siscentistas, demarca-se o municipio de Santo Antônio das Queimadas.
Quase todo aquele amplíssimo rincão, onde vagueavam outrora os
silvícolas que lhe emprestaram o nome, é terra desnuda de arvoredo ,
escassa de águas perenes, e de solo pouco dadivoso , características
naturais estas que anônimo aedo rústico, em era já mui afastada, -
começos do século passado, ao menos - sintetizou nesta quadra, que topei
na obra: A família Serrinhense do Dr. Antônio José de Araújo:
" Serrinha não serra pau grosso,
Coité não dá selamim,
O Razo não tem fundura,
Queimadas não nasce capim".
Estas quatro vilas compreendiam, antigamente, o aludido sertão, que
hoje em maior número de comunas se retalha. E o Razo viu seu nome
transmudado para Araci.
Demorei-me em Queimadas, era um dia claro e
cálido do mês de agosto, percorrendo todo o modesto vilar. Quanto na
terra há, ligado à sua história, esteve-me sob os olhos: o alto da
Jacobina, de onde parte velha estrada que à bi-centenária cidade do ouro
vai ter; a tapera da antiga povoação, que numa cheia o Itapicuru
destruiu em 1910 ou 1911; o sítio onde Moreira César fez torturar um
sacerdote espanhol, a quem atribuía o delito de vender pólvora aos
jagunços de Antônio Conselheiro; a casa em que esteve aposentado o
general Artur Oscar; a ubiquação do hospital de sangue da sua coluna;
além de outros lugares vinculados à crônica da tragédia de Canudos.
Por fim, dei comigo no adro da capelinha de Santo Antônio (foto), ao
lado do cemitério, construção evidentemente mais que secular, e curiosa,
devido a sua alpendrada em arcaria pavimentada de lápides funerárias,
que se prolonga pelo oitão do lado da epístola.
Sobre o seu orago, corre no Nordeste Baiano interessante tradição.
Em princípio da centúria passada, ou fins da antecedente, era a fazenda
das Queimadas propriedade da piedosa senhora, a qual fabricou a citada
capelinha, doando ao seu padroeiro muitas terras, e numerosa escravaria;
templo este que foi erigido em paróquia no ano de 1842. Passou hoje tal
regalia a outro, edificado no centro da vila.
Ora, aconteceu que,
em certa noite de festa, um escravo do santo praticou um crime de morte a
tiros de bacamarte, no adro da igreja, escapulindo-se em seguida.
Naquele tempo, se o senhor do escravo criminoso não o entregava à
justiça, sofria por ele. Santo Antônio não quis obrar o milagre de fazer
o negro cair às unhas dos agentes da lei. Quem sabe lá se o desgraçado
merecia?
Vai daí o juiz do termo, e tira devassa do crime, processa o
taumaturgo capucho, e saca-lhe a imagem do santuário, conduzindo-a
inquirida de cordas, no lombo de um animal, para a prisão da extinta
vila de Água Fria, cujas justiças, diga-se de passagem, gozavam então de
fama inexplicáveis.
Foi o santo submetido a júri, nessa localidade,
ou em Cachoeira, assistindo a imagem aos debates e ao veredictum do
tribunal popular, encarapitada no banco dos réus. Os juízes de fato
matutos condenaram o bem- aventurado franciscano a perder todos os seus
haveres, que foram arrematados por um fazendeiro de Inhambupe.(...)
Fonte: Nonato Marques. Santo Antônio das Queimadas. pag.101/102.
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